Criança 2.0 A garotada brasileira, uma das mais conectadas do mundo, está aprendendo as primeiras lições antes mesmo de entrar na escola. No lugar dos livros e cadernos elas usam gadgets de última geração.
No início do ano, Thiago, de 6 anos, foi apresentado ao conceito de unidade e dezena por sua professora em uma escola de São Paulo. “Isso é muito fácil”, ele disse. “Dezena é sempre dez. Eu aprendi no meu Lego.” Thiago referia-se ao jogo Lego Battles, do videogame portátil Nintendo DS. Já Marco Antonio, 3 anos, ainda não faz ideia da diferença entre unidade e dezena, mas sabe com qual dos seus amigos a gangorra vai subir quando brinca no parquinho. Ele aprendeu a relação entre peso e gravidade com o game Big Brain Academy, também da Nintendo, em que precisa apontar qual passarinho é mais pesado e observar qual deles ficará no chão em uma gangorra parecida com a do parque. Os dois meninos fazem parte de uma geração que tem contato com videogames, smartphones e tablets antes mesmo de aprender a contar até três.
Quando eram bebês, já viam seus pais ou irmãos mais velhos passarem horas entretidos com esses produtos eletrônicos. E desde cedo vivem em casas onde a primeira coisa que se faz depois de acordar é ligar o celular para acessar o e-mail ou ler notícias. É comum, portanto, que eles aprendam as primeiras continhas também na tela desses gadgets, por meio de jogos educativos cada vez mais populares. Um estudo feito pela Viacom, que é dona do canal infantil Nickelodeon, com meninos e meninas em 12 países, mostrou que os games estão entre os passatempos preferidos, apontados por 72% das crianças brasileiras. Os pequenos daqui também são os que mais usam internet e celulares: 86% disseram que entram na rede três vezes por semana e 81% usam o celular com a mesma frequência. “Eles estão chegando à escola muito espertos justamente porque são estimulados desde cedo”, diz Betina Von Staa, coordenadora de pesquisas da Positivo Informática, empresa de Curitiba (PR) que atua nas áreas de educação e tecnologia.
Além de precoce, a nova geração é heavy user. Estudantes americanos de até 18 anos gastam 7 horas e 38 minutos por dia com entretenimento digital, aponta um estudo feito pela Kaiser Family Foundation em parceria com a Universidade de Stanford. Na escola, as crianças costumam ficar cerca de 5 horas. Nos últimos cinco anos, o contato desses estudantes com mídias digitais cresceu 25% — incentivado pela popularização dos smartphones. Com isso, aprender com uma tela eletrônica na mão faz todo sentido. Tanto que na cidade americana de Escondido, na Califórnia, uma escola adotou o uso de iPhones e aumentou em seis vezes a fluência de leitura dos alunos na faixa dos 7 anos. “Acho que a brincadeira faz com que a criança aprenda mais rápido do que com métodos formais”, diz a engenheira e pedagoga Alessandra Barreto Bizzo, 36 anos, professora do ensino fundamental em São Paulo. “Quando levo o laptop como auxiliar para contar uma história, meus alunos se envolvem muito mais”, diz ela, que é mãe de Ana, 5 anos, e de Marco Antonio, 3 anos.
Alessandra é uma daquelas mães geeks que ligam o computador logo depois de pular da cama e a filha, Aninha, vai no mesmo ritmo. Quando pode, a menina pega o iPhone da mãe, que baixou aplicativos para ajudá-la a descobrir novas palavras. Com seu Nintendo DS, Aninha também aprendeu a subtrair. Quem ensinou foi um pônei cor-de-rosa, personagem do jogo Pink Poney. “Os games ajudam a desenvolver o raciocínio lógico, além de fixar o aprendizado com experiências divertidas”, diz o professor de design digital João Mattar, da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo. João começou a estudar a relação entre jogos e aprendizado depois que percebeu que seu filho, na época com cinco anos, aprendeu a fazer contas com múltiplos de 50 para jogar Yu-Gi-Oh em seu Playstation 2. Hoje, sete anos depois, virou especialista no assunto e acaba de lançar o livro Games em Educação, pela Editora Pearson.Babá eletrônica
Fazer com que as crianças se desenvolvam é só um dos motivos que levam os pais a investir um bom dinheiro em aplicativos educativos digitais. “Colocar as crianças para jogar me dá um pouco de paz quando eu preciso me concentrar em outras tarefas”, diz Alessandra. Nos Estados Unidos, uma pesquisa feita pela empresa de mídia digital Greystripe mostrou que as iPhone Moms (mamães iPhone, em português) são 30% dos usuários do celular da Apple. E que 94% dos aplicativos que elas baixam são jogos e entretenimentos, parte deles para que seus filhos usem enquanto precisam ir ao supermercado, falar ao telefone ou dirigir.As vantagens de aprender brincando — ou de dar um tempo de relax para os pais — desaparecem, no entanto, se as crianças ficarem muito tempo com os joguinhos nas mãos. “Distúrbios de atenção e hiperatividade estão ligados ao uso de eletrônicos por crianças”, diz Valdemar Setzer, professor de Ciências da Computação da Universidade de São Paulo (USP). “Elas desenvolvem sua criatividade muito melhor longe dos games”, afirma. Mesmo as mães que liberam seus iPhones ou iPads na mão dos pequenos defendem um limite de tempo — e as categorias dos jogos. “O Thiago fica agitado demais com alguns jogos”, afirma Raphael Vasconcelos, 32 anos, pai de Thiago, 6. “Nenhum desses brinquedos substitui o que a criança aprende com a socialização”, diz a psicóloga paulistana Adriana Toffoli, que fica ao lado do filho Leonardo, 5 anos, quando ele está no computador. Quando mandam as crianças fazerem sua lição de casa (ainda no método tradicional), é comum que os pais ouçam protestos. A lousa ou o papel já não têm tanta graça para quem aprendeu as primeiras palavras e continhas no teclado de um smartphone.

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